terça-feira, abril 10, 2018

Radar Magrebe Lusófono #19: Mocambique, as ilações a tirar das Intercalares em Nampula (na íntegra)

A vitória da RENAMO nas Intercalares de Nampula e a perspectiva de um reviralho político em Moçambique nas Eleições Gerais de 2019. Artigo e análise do Politólogo e Arabista da VOA, Raúl M. Braga Pires.
A notícia que marcou o mês de Março em Moçambique, foi a vitória do candidato da RENAMO, Paulo Vahanle, nas Eleições Intercalares para o Município de Nampula, tendo sido eleito Edil local com 58,53% dos votos, contra os 41,46% obtidos por Amisse Cololo António, candidato da FRELIMO.
Que consequências tirar deste processo eleitoral, que foi intercalar, em consequência do assassinato do Edil anterior, Mahamudo Amurane, do Movimento Democrático de Moçambique (MDM), uma 3ª via surgida no país em 2009, em alternativa à dicotomia FRELIMO/RENAMO, que sempre pautou o Moçambique independente?
Em primeiro lugar, situar no tempo o facto de Vahanle tomar posse em Abril e apenas poder governar Nampula cidade até Outubro deste ano, mês de Eleições Autárquicas, num Moçambique de novo envolto num Processo de Guerra e Pazdesde 2014/15, ou seja, praticamente desde a eleição do actual Presidente Filipe Nyusi e, que terá também Eleições Gerais (Legislativas, Presidenciais e Provinciais) em 2019.
Ora a parte do Processo de Paz que tem pautado as negociações entre o Presidente Nyusi (FRELIMO) e o Presidente da RENAMO, Afonso Dhlakama, prende-se precisamente com a partilha do “bolo governativo”, que a FRELIMO tem permanentemente açambarcado desde a independência, apesar de a maioria das províncias Centro e Norte do país, darem maioria à RENAMO. Esta questão parece estar resolvida, através de um processo de Revisão Constitucional que abrirá o caminho para uma descentralização que permitirá que o Partido mais votado na Assembleia Provincial, apresente o seu candidato a Governador da respectiva Província e assuma, de facto, o Poder. Parece justo.

Voltando às consequências da recente vitória da RENAMO em Nampula, esta representa uma ruptura importante que certamente dará alento e esperança a um eleitorado cuja FRELIMO foi alienando ao longo de 4 décadas, primeiro, com um modelo sovietizante de sociedade, de Partido único e, segundo, com o deslumbre do desperdício do capitalismo, que descambaram nos juros de Dívida Pública mais altos do Mundo, superando a bolivariana Venezuela, pela mão dos chamados “Empresários de Sucesso”, a clique formada pelos filhos, enteados e afilhados das altas figuras do Regime, mas também por decisões/negócios do próprio Regimeque, sentindo-se no patamar dos intocáveis, achou que nunca veria a verdade vir ao de cima, nem tão pouco ter de prestar contas. O recente exemplo da chamada “Dívida Oculta” (o nome diz tudo, 2 mil milhões de dólares) é disso prova, cuja consequência imediata foi a suspensão da ajuda internacional e o FMI “à perna”. Mas isso é o imediato e no futuro? Quem voltará a confiar no país, na FRELIMO, no Regime, nos moçambicanos?
E as contas, em Democracia, ajustam-se nas urnas e o cenário poderá provocar um reviralho político em 2019, já que nunca como agora estiveram reunidas as condições para a Oposição apostar num único candidato Presidencial, Afonso Dhlakama, proporcionando ao eleitor o voto mais útil de sempre na História do Moçambique independente, já que o contexto de descentralização projectada também dá garantias de uma mudança efectiva do exercício do/no Poder Local/Provincial, sem tocar na integridade territorial do país. A “prova dos 9” será tirada nas Autárquicas de Outubro, podendo provocar um efeito dominó para as Gerais de 2019, sobretudo ao nível provincial e, caso Dhlakama seja o candidato Presidencial consensual da Oposiçãoo Povo certamente que perderá o medo e a “vergonha” e penalizará a FRELIMO nas Legislativas. Tudo é possível neste momento e o entusiasmo de uns, reflecte-se no pânico dos restantes.
Ir mais longe
Ir mais longe na Reforma do Estado, significará a despartidarização do mesmo, tarefa impossível enquanto a FRELIMO estiver à frente dos destinos do país. Prova disso, é uma circular que recentemente foi distribuída no Hospital de Quelimane, em papel timbrado do Partido e que dizia o seguinte:
“Partido FRELIMO. Círculo do Hospital Geral de Quelimane. Convocatória. Convocam-se os membros e simpatizantes do Partido FRELIMO do Hospital Geral de Quelimane, para uma reunião a ter lugar no dia 07 de Março, pelas 13h, na sala de reuniões deste hospital com a seguinte agenda: Leitura da síntese da Acta da reunião; Resultados do levantamento dos membros efectuados nos sectores pelas comissões (Formação de Células); Diversos”. Esta convocatória é assinada pelo Secretário de Círculo do Hospital.
Como se desmantela esta estrutura soviética que transversalmente mina a sociedade moçambicana? Não sei, mas creio ter uma boa imagem/metáfora que poderá contribuir para este debate.
Em Maio de 2007, deflagrou um incêndio no Ministério da Agricultura de Moçambique, em Maputo, no que foi oficialmente justificado por um curto-circuito que provocou uma explosão, mas que no espírito de todos deixou a impressão de se tratar de uma clara queima de arquivo. Cerca de 70 gabinetes ficaram reduzidos a cinzas. Qual foi a maior dificuldade encontrada pelos bombeiros quando chegaram ao local e por que é que não conseguiram circunscrever o fogo a 1/3, ou mesmo metade destes gabinetes? Porque o interior do edifício não tinha portas, tinha gradeamentos “selados” a cadeado de corredor para corredor e de gabinete para gabinete. Ora são estas grades e estes cadeados que aprisionam o Sector Público que precisam de ser expurgados para Moçambique passar em pleno do Multipartidarismo para a Democracia que há muito se impõe!

In Voz da América – 04.04.2018

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